J. Carlos de Assis*
Existe uma teosofia segundo a qual Deus e o Diabo
são a mesma pessoa, com aspectos diferentes. Isso de certa forma se concilia
com o zoroastrismo e com a teologia cristã que faz Deus criador de todas as
coisas, e necessariamente de Satanás. Foi a infinita ambição de Satanás,
querendo se igualar a Deus, que o levou ao desastre. Do contrário, se ele não
fosse tão ambicioso, a hierarquia do céu seria eternamente preservada, com a
contrapartida de que todos morreríamos de um tédio cósmico inapelável.
Essas divagações servem para avaliarmos as
ambivalências da Laja Jato, segundo um roteiro que me foi inspirado pelo
senador dissidente do PMDB, Roberto Requião – do qual, para minha honra, sou
assessor. Requião, pela manhã, aplaude Moro, o juiz Torquemada da Lava Jato. À
tarde ele está enfurecido com ele, por suas violações do Direito. À noite,
revira na cama para saber como atacar a face negra do juiz de Curitiba sem
demolir a parte branca – figuras de linguagem que, diga-se de passagem, nada
tem a ver com preconceito.
Requião, na condição de governador do Paraná,
trabalhou paralelamente a Moro durante as investigações do escândalo do
Banestado, do qual, anos depois, surgiria o Lava Jato. Ao tempo das
investigações do Banestado, Moro, seguindo as regras judiciais, não conseguiu
prender ninguém relevante. Provavelmente, jovem e tempestuoso como é,
dedicou-se a encontrar um meio adequado de prender bandidos importantes. Foi
quando lhe veio a inspiração da operação Mãos Limpas, que desbaratou parte da
máfia italiana e de seus criminosos.
O caminho escolhido por Moro, filho dileto de Deus,
foi seguir a trilha do Diabo, seu oponente. Mandou às favas o sistema legal
brasileiro, acompanhando inciativas nesse sentido já definidas pelo chamado
Mensalão, com suas sentenças injustas e arbitrárias. Em consequência, ignorou
regras seculares do Direito romano, como o direito ao habeas corpus, à
presunção de inocência e ao devido processo legal. Exerceu seu poder diabólico
quase infinito para arrancar delações premiadas de suspeitos ou réus de crimes
contra a Petrobrás.
Contudo, se não tivesse seguido o Diabo, não teria
havido lista da Odebrecht. E isso é coisa de Deus. Se não tivesse havido essa
lista, não teríamos Caju, Justiça, Angorá, Muito Feio, e o soberano de todos,
Temer, que não precisa de codinome porque todos o reconheceriam: Vampiro.
Tantos codinomes exigem que a Justiça, não a pequena de Renan, se mova. O
próprio Congresso não resistirá ao próprio peso se não distinguir os menos
culpados dos muito culpados de forma a restaurar a credibilidade e a
funcionalidade da instituição.
O Diabo ganhou, mas o Diabo quis ser Deus. Achou
que, recorrendo a uma aliança com uma potência estrangeira – não uma potência
qualquer, mas a mãe de todas as potências – poderia completar por conta própria
o processo de limpeza do Brasil. Deus não gosta de absolutos.
Acabará levado o Diabo à perdição no contexto de
uma acusação por crime de lesa pátria, representado pela destruição interna da
Engenharia Nacional e a sua entrega de bandeja para as concorrentes
estrangeiras, há décadas lutando por abrir nosso mercado de engenharia.
Como todos os sumo sacerdotes de Deus que serviram
simultaneamente ao Diabo, em busca da própria glória, Moro e seus acólitos de
Curitiba, procuradores que se investiram, também eles, dos poderes de Deus,
terão o destino irrecorrível do Diabo metafísico. Como Torquemada, Savanarola,
Marat, Robespierre, todos materialmente incorruptíveis, encontrarão a seu empo
o fogo do inferno que Deus, o onipotente, reservou àqueles que, como o Diabo,
violaram a regra suprema: querer se igualar a Deus, o único!
*J. Carlos de Assis é jornalista e economista,
doutor pela Coppe/UFRJ, do Movimento Brasil Agora.
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